quarta-feira, 24 de julho de 2013

Aos trinta anos



Havia apenas uma semana que eu tinha completado trinta anos e precisei, por motivos burocráticos, ver a certidão de óbito de minha mãezinha. Foi então que eu me assustei: ela faleceu aos trinta anos.
Uma sensação de finitude tomou conta de meus pensamentos, de todo meu ser, e um calafrio percorreu o meu corpo. Não era o medo apenas da morte inesperada chegar até mim. Era o medo dela me encontrar sem ter vivido, sem ter sonhado, sem ter produzido ou deixado um legado neste mundo. Afinal, quando mamãe faleceu, ela já tinha três filhos e eu não tenho nenhum; ela já era uma mulher vivida, enquanto eu ainda me sinto uma jovem garota.
            Mamãe tinha muito medo do envelhecimento, das rugas, das marcas do tempo e da gravidade. Eu não me lembro dela, mas as histórias que me contaram sempre retrataram alguém muito vaidosa e bonita. Talvez por isso ela tenha morrido tão jovem... De certo modo teve seu pedido atendido, porque ela foi levada ao céu antes que os dedos do tempo tocassem sua face perfeita.
            O meu temor não é o passar do tempo e a vaidade de ver os anos levarem a juventude de nosso rosto. Meu medo sempre foi o de passar por essa vida sem produzir, sem deixar um legado e por isso cair no esquecimento. Passar por esse mundo sem deixar alguém que se lembre de nós, para permanecermos vivos nessas memórias. Minha mãe revive hoje quando eu escrevo. E reviverá cada vez que alguém se lembrar dela. Porque hoje, sem nenhuma foto guardada e sem memória de seu rosto, o que faz com que ela seja lembrada são suas histórias e seus genes no meu corpo. Dizem que sou muito parecida com ela. Então, para aqueles que com ela conviveram, olhar no meu rosto é relembrá-la, e assim ela vive mais uma vez na lembrança daquele que me olhou. Eu sou, assim, um pouco dela, um pouco de história e memória.

            Eu já sabia – aliás, desde de Balzac -  que os trinta anos eram significativos na vida de uma mulher, que era o marco de sua maturidade, da busca de felicidade de realizações pessoais. Para mim, essa idade adquiriu maior significância depois que descobri que foi a idade fatal para minha mãe. Apresentou-se como um aviso de que a vida passa rápido demais, de que juventude de nada vale se não houver uma história bem vivida, se não deixarmos vestígios de uma existência nesta terra. Hoje, vivo com uma ansiedade de fazer tudo acontecer rapidamente, de viver intensamente todas as experiências que a vida pode proporcionar, como quem tem uma sentença de morte, uma doença incurável, poucos dias de vida. Beijo meu marido todos os dias pela manhã como se nunca mais fosse vê-lo. Respondo aos meus amigos com a intensidade de sentimentos de quem se comunica pela última vez. E agradeço a cada amanhecer pela simples oportunidade de ver um novo dia.

Um comentário:

  1. Amiga, os 30 anos chegaram por aqui com a mesma suavidade dos 20. Eu olho para trás e vejo as risadas, as descobertas e as lágrimas e é como se aos 30 anos eu pudesse tudo! Já não tenho aspirações adolescentes e nem choro por amores não correspondidos e não sou tão velha, que não possa viver a vida intensamente. Sigo colorindo o meu mundo e tentando colorir o mundo daqueles que estão à minha volta... e encarando a chegada dos 30 (bom, por aqui... quase 31). Beijos

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