Divulgação de textos inéditos de autoria feminina contemporânea. Poesia contemporânea. Literatura
sexta-feira, 3 de dezembro de 2021
O escaravelho sagrado
Minha rigidez é uma armadura
Calcificação dos traumas e perdas
Que o tempo depositou em minha alma
Se hoje não transpareço a suavidade e doçura que
outrora tive
É porque amargaram minha boca com o gosto acre das más
notícias
E minhas mãos se engrossaram do trabalho para
sobreviver.
Se hoje eu sorrio pontualmente
E sou conhecida pelo mau humor tradicional
É por medo de perder o sonho na estrada, novamente
Minha carapaça foi construída pelo acúmulo de golpes do
tempo
Me protejo nessa casca, mas não encolho
Rígida, sigo a passos lentos e constantes
Como um escaravelho sagrado
quarta-feira, 11 de novembro de 2020
Que eu nunca perca
A delicadeza
A capacidade de olhar com ternura
Para as horas vagas do dia
Para os passarinhos que fazem ninho na minha janela
E vem me desejar bom dia
Que eu nunca perca
O choro sincero
Do encontro vivido
Das emoções sentidas
Da amizade vívida
Dos amores contidos
Que eu saiba deixar
Chorar quando o corpo pede
Sorrir, quando a situação permite
Sentir, sem coibir
Sem cercear sonhos, que eu sonhe
Que eu nunca deixe de viver
Por não me permitir sentir
quarta-feira, 21 de outubro de 2020
Desânimo
Desanimar
Des-anima
Sem alma
Perder a alma
É perder essência
É perder-se
Deixar de ser
Hoje, por acaso, ouvindo Gilberto Gil na TV, que apercebi sobre a etimologia da palavra desânimo, que vem de des – perder, sem – e anima – alma. Perder a alma? Sem alma? Deixar de ser, perder sua essência vital? Não seria o mesmo que perder a vida, deixar de existir?
Como nunca havia percebido essa origem? Uma palavra que ultimamente tem rondado tanto minha vida... Reflito com isso que o desânimo com minha profissão, com a política e tantas coisas mais é muito mais grave do que me parecia até então. Se perdi o ânimo, é porque tenho me perdido de mim mesma.
De fato, sinto que tenho de gritar como que no fundo de um poço: “Ei, você ainda está aí?”. Como se não me reconhecesse mais. Estive pensando como foi que cheguei até aqui? Como foi que trilhei meu caminho para ser quem hoje sou? Sinto-me levada pelas águas de um rio calmo e traiçoeiro, como se sem perceber para onde sua calmaria estaria me carregando. E sem relutar, sem pegar os remos para guiar meu destino, deixei-me seguir... para onde?
Se desanimei, é porque realmente não coloco mais minha alma no que eu faço. É porque já não vejo quem eu sou, apenas estou... Onde está o encantamento? A sensação de sentido da vida? Que sou eu é pergunta para uma vida toda, eu sei. Mas saber para onde se caminha é pra já.